paulo valeriano
Entre o chassi e a parede, nas bordas da mirada, no fundo da imagem, mistério. A paisagem não tem fim e começa sempre pelo meio; pelo lugar de breve duração criado entre o observador e aquilo que mira. Imagem inventada, só existe para quem a observa, se não fosse assim, seria natureza e existiria independentemente de ser reapresentada por um sujeito. Me aproximo dela de maneira silenciosa, como faço em qualquer encontro; acredito que haja algo para descobrir no silêncio, algo singelo, e muito importante, e talvez por isso, ela se aproxime de mim no mesmo passo. Eu a observo de forma grave, numa baixa frequência de som, tempo, luz e cor. O encontro é mesmo uma ferida, que só permanece aberta enquanto silenciosamente a suportamos. Nada é superfície e tudo está velado, nada parece, nada aparece, tão perto. Suportar o encontro, procurar a paisagem, é tão somente adiar seu fim, e o que resta depois do fim é esse lugar de paragem, lugar velado, a ferida cicatrizada do encontro; os rastros, os fragmentos, a própria memória. As imagens nunca me alcançam inteiras depois do fim. Tenho apenas breves testemunhos cercados de espaços vazios, ou longos campos de cor onde as formas perdem completamente sua definição e se traduzem em transições entre esses elementos constitutivos. Afinal, a paisagem acontece por aproximação, por fricção, pelo encontro, do sujeito com o objeto, da rocha com a água, da sombra das copas das árvores com os raios de luz do sol que batem no chão. Entretanto, a paisagem, percebida a partir de um dispositivo da visão, funciona numa lógica também de distanciamento, afasto-me para vê-la, distancio nossos corpos, busco esquemas de razão para interpretá-la, mesmo que ela seja percebida no campo das sensações. A perspectiva, esse dispositivo que até hoje impregna toda a relação com as imagens, tão fortemente estabelecido seu lugar na história da representação pictórica, confunde a nossa própria relação com a visão, confunde a forma como observamos, e faz esquecer que o que olhamos - o que se apresenta - não é o mesmo que se encontra representado, e o que representamos, já não é aquilo que é reapresentado a cada vez que um olhar pousa sobre uma imagem. Afinal, essa é uma questão da matéria e da imagem, uma questão do tato e da visão, da experiência e da memória, da imaginação desse lugar sem nome que paira entre os sentidos. Assim é também a palavra, elemento constitutivo do meu trabalho e de muitas paisagens. Não são análogas, a poesia e a paisagem? Imagens criadas por aproximação e distanciamento de elementos para os quais temos um sistema de representação que por vezes não é capaz de abarcar o campo das sensações, que se refazem a cada mirada, que reordenam e nos mostram as coisas do mundo sem que possamos tocálas, e que, por fim, nos permitem acessar o invisível, o indizível e o intocável.
trabalhos

. 2024
. 2023
. 2022
. 2021

exposições

. especulações
. enquanto o que no horizonte persiste
. até onde a vista alcança
. teoria da paisagem
. sobre/posições
. corpo provisório

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Até onde a vista alcança
Em cartaz de 15/12/2023 a 13/01/2024.

Exposição coletiva na Loja 16, espaço fundado pelo artista Alberto Lamback em 2023, composta por trabalhos de Andrea Campos de Sá, Camilla Courinos,  Isadora Almeida, João Trevisan,  Marcelo Camara, Paulo Valeriano e Pedro Alvim.

Se observamos a profunda cumplicidade que marca tanto a invenção da perspectiva, quanto a invenção do gênero da pintura de paisagem, facilmente nos daremos conta de que o que se inventara nos final das contas fora um dispositivo que de tão eficiente é por vezes confundido com a própria ideia do olhar. Perceberemos também, não obstante, que tal dispositivo não deixará de colecionar ambiguidades ao longo de sua história, a começar pela inviabilidade do estatuto mesmo que o define, no celebre dito de Alberti, segundo o qual o pintor só deve se preocupar em retratar as “coisas visíveis”. A exposição “Até onde a vista alcança” reúne um conjunto de artistas de Brasília de diferentes gerações para propor versões e inversões desse paradigma e celebrar o sempre renovado enigma da pintura de paisagem.














"Chuva" ou "Monocromo amarelado"
Óleo sobre tela
16 cm X 22 cm
2022
Cabana
Óleo sobre tela
33 cm X 41 cm
2022